O INSTITUTO DOM MARIO ZANETTA E PADRE LOURENÇO TORI – IMZLT, CELEBRANDO A MEMÓRIA DOS 50 ANOS DA PÁSCOA DO PADRE LOURENÇO TORI (1973-2023)

by - abril 01, 2023


A Igreja de Paulo Afonso celebra hoje, 3 de fevereiro de 2023, o dia da doação maior da vida de Padre Lourenço Tori. Celebrar os cinquenta anos da partida inesperada do Padre Lourenço não é um simples ato de evocar lembranças que guardamos do Padre Lourenço, seja do fatal acidente que o arrancou do nosso meio, seja da história de vida que ele viveu. As lembranças e a história de vida de alguém ou de um povo são muito importantes também. Porém, sem a significação em que elas podem estar inseridas, tudo não passaria de narrativas vazias. A significação não é algo que se define. Ela é o que é mostrado por outro, pelo Outro, nas entrelinhas do evento do ser de Padre Lourenço entre nós, lá atrás, cinquenta anos passados, e no presente, quando o trazemos para o momento da celebração. Podemos entender bem a significação de Padre Lourenço para nós no que a Igreja concebe e realiza ao celebrar a Eucaristia. Ela faz a Memória, isto é, ela narra e torna presente o Evento de Jesus Cristo, Aquele que mais amou a humanidade e deu a vida por ela. O Evangelho expressa melhor o que queremos dizer: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos (Jo 15,13). O Evento de Cristo é um evento Pascal, é um Memorial! Entendemos as narrativas das lembranças que guardamos do itinerário de vida de Lourenço Tori são parte desse Memorial de Cristo, do qual fazem parte todas as pessoas que se deram como oferta ao outro. Padre Lourenço é um referencial do dom da fé. A sua morte, apesar da tristeza e da tragicidade do acontecimento, aponta-nos para a fé que ele abraçou, para o projeto de Igreja missionária que ele buscou viver, longe da sua nação, dos seus familiares e amigos. Padre Lourenço, como os patriarcas e matriarcas das primeiras comunidades cristãs, viveu pela fé e se ofertou pelos pobres, pelas comunidades católicas da cidade e das redondezas de Paulo Afonso. Aqui cabe evocar o seu onomástico, o diácono Mártir Lourenço de Huesca, martirizado no ano 221 da nossa era cristã. Certamente os genitores do Padre Lourenço, Gregório Tori e Generosa Pidroni, sabiam da significação do nome de Lourenço para os inícios da Igreja, mas não previam que o filho teria esse itinerário tão intenso de doação de si, tanto pela fé como pelos mais necessitados de um lugar tão distante de Montescheno, sua terra natal na Itália. O Mártir Lourenço e o Padre Lourenço, embora em situação diversas, têm algo em comum: foram vidas que se deram pelo que creram e por quem ofertaram suas vidas. A vida deles fazem parte do Memorial de Cristo para a Igreja.

Para fazermos a memória do Padre Lourenço Tori vamos fazer uma breve passagem pelo itinerário que ele viveu. A primeira passagem desse itinerário é Montescheno e a Diocese de Novara, o referencial de origem; a segunda é Paulo Afonso, referencial da vida missionária; e a terceira e última é Paulo Afonso, referencial atual que celebra a memória de Padre Lourenço. 

Considerando isso, Partamos de Montescheno e da Diocese de Novara, referencial simbólico, temporal e espacial, onde Padre Lourenço se constituiu como sujeito histórico e sacerdote diocesano missionário Fidei Donum. Montescheno é uma Comuna italiana pertencente à Província de Verbano-Cusio-Ossola, Unidade Pastoral de Villadossolla – Diocese de Novara, Região do Piemonte – Itália. Mario Lourenço Tori, nome recebido no batismo, nasceu no ano de 1936, no dia 3 de maio, no seio da humilde, numerosa e acolhedora família de Gregório Tori e Generosa Pidroni. É no seio da família cristã de uma comunidade eclesial exemplar que uma vocação religiosa e sacerdotal se define. A pequena Montescheno, no ambiente familiar e eclesial, foi o berço de uma vocação sacerdotal e missionária valorosa, desde os primeiros anos escolares e ginasiais. O despertar vocacional leva Lourenço para os estudos seminarísticos, inicialmente em Miasino, depois em Arona e, finalmente, em Novara, onde concluiu os estudos teológicos e foi ordenado sacerdote, em 25 de junho de 1961. Seus primeiros anos de sacerdote foram em Novara, onde permaneceu até assumir a paróquia de Lovario, em 1962. Entre as pessoas que conviveram com Mario Lourenço, entre Montescheno, Miasino, Arona e Novara, as características que são relatadas sobre ele são de uma criança e de um jovem de espirito alegre, poético, artístico musical, místico, trabalhador, amigo, colaborativo, amante da justiça, da cultura do seu povo e preocupado com os mais necessitados. Cremos que tudo isso fortaleceu a decisão refletida com seus superiores e companheiros, entre eles Dom Mario Zanetta, para abraçar a vida sacerdotal como missionário nas terras baianas, na cidade de Paulo Afonso.

Nossa segunda passagem é pela cidade de Paulo Afonso, cuja paróquia fazia parte da diocese de Bonfim, para onde foram enviados pela Diocese de Novara, os missionários Fidei Donum Padre Mario Lourenço Tori, que entre nós era chamado por Lourenço, e Padre Mario Zanetta, que mais tarde foi nomeado bispo da Diocese de Paulo Afonso. Isso foi no início de 1969. Cabe nessa passagem a significação do cântico litúrgico da autoria de Edmilson Aparecido, inspirado no chamado de Abraão (Gn 12) e nas palavras do Evangelista Lucas (Lc 10, 1-9): “Sai da tua terra e vai onde te mostrarei... Partir, mas com a fé no teu Senhor, com o amor aberto a todos, leva ao mundo a salvação”. Um missionário não se forja senão a partir de uma fé vigorosa e de muita doação de si. Assim se deu aos dois missionários chegados às novas paragens para desafiadora missão. Paulo Afonso, terra de missão para os dois. Acolhidos pelo Padre Alcides Modesto e pelo povo, deram início aos tantos trabalhos que foram se organizando na cidade, tanto nas áreas de periferias pobres da Vila Poty como nas áreas rurais circunvizinhas. Padre Lourenço compartilhava de todos os trabalhos pastorais e foi grande colaborador no desenvolvimento de assistência social aos mais desvalidos da cidade e do campo. Atuou incansavelmente em favor da educação de crianças, de jovens, de idosos e de famílias pobres. É difícil dizer em poucas palavras o quanto esse jovem padre trabalhou em tão pouco tempo, entre 1969 e 1973. Em tempos difíceis de ditadura militar, vigiados por um sistema autoritário, tanto por ser estrangeiro como por se dedicar desmedidamente ao serviço de pobres operários da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, de trabalhadores do campo, de mulheres necessitadas e de crianças sem escola. A cidade era o retrato do regime militar implantado pelo golpe de Estado de 1964, geograficamente dividida em duas por muralhas de controle. Dentro dos domínios da CHESF, além das muralhas estavam as grandes construções das usinas PA1, PA2, PA3 e as vilas de operários, engenheiros e administradores das obras em construção; também estava a 2ª Companhia de Infantaria do Exército Brasileiro; havia dois clubes sociais, um para operários e outro para quem tinha altos salários na empresa. Dentro, uma igrejinha dedicada a São Francisco de Assis, praças, escolas, hospital, clubes, áreas esportivas e de lazer; casas em vilas planejadas de acordo com as funções e condições sociais e econômicas dos funcionários. O que se via no acampamento CHESF era uma beleza de se ver! Do lado de lá das muralhas, onde habitava a maioria da população, a vida era outra. Faltava tudo: água, saneamento básico, luz, moradia digna, escolas. Havia uns poucos mais favorecidos que controlavam o comércio, as terras agricultáveis e os serviços da cidade. Entre eles, sempre aliados ao regime militar, estavam os políticos. O contexto socioeconômico e político era complexo. Foi no enfrentamento dessas situações desafiadoras que Padre Lourenço, como companheiro dos padres Alcides Modesto e Mario Zanetta, se lançou como evangelizador incansável. Um mestre da fé, sempre disposto, alegre, aberto aos desafios da evangelização e comprometido com os mais pobres. Sua vida foi uma oferta agradável a Deus, até o último suspiro. Sua morte por acidente trágico se deu cumprindo a missão. Morreu um homem de Deus! Partiu sem despedidas, sem visitar os seus entes queridos na sua terra natal, porque Deus chamou para Si, para a celebração que não mais tem fim, para os coros dos justos, nos altares da eternidade. Os desígnios de Deus não são para ser compreendidos, mas para serem vividos com afinco. Chega o instante que o Eterno julga que cada um de nós já cumpriu aquilo que deveria viver e realizar. Padre Lourenço, mesmo tendo partido (em 3 de fevereiro de 1973), com apenas 37 anos de idade, já estava pronto para esse instante. Sua passagem por Paulo Afonso foi como um raio de luz e de fé; foi um alento para os pobres das comunidades eclesiais da cidade e do campo.

Nossa última passagem é pela Diocese de Paulo Afonso que Padre Lourenço participou do início da institucionalização, em 14 de setembro de 1971 e instalada no dia da Imaculada Conceição, 8 de dezembro do mesmo ano, pelo Papa Paulo VI (Bula Papal Pastoral Munus). Queremos nessa paragem acentuar o que afirmamos inicialmente sobre a importância da memória de Padre Lourenço dentro da tradição eclesial de toda a Igreja e, em especial para a Diocese onde se ofertou como mestre da fé, comprometido com a causa dos pobres. Esse momento é muito importante para o resgate da memória e toda a significação que ela tem para cada cristão, para cada cristã, leigos e eclesiásticos. Resgatar a significação implica renovar compromissos, viver o espírito missionário com o ardor e empenho de Padre Lourenço; renovar o compromisso de ausculta dos apelos do povo (Ex 3,7). A significação da memória de Padre Lourenço para a igreja de Paulo Afonso hoje será mais e mais visível à medida que cada cristão se faz oferta viva e agradável ao Senhor! Não há maior amor do que aquele que da a vida pelo irmão! Cremos que essa paráfrase do Evangelho de João seja o centro desse momento, 50 anos depois da partida de Padre Lourenço. Na memória dele aprendemos hoje a viver e caminhar como se víssemos o invisível (Hb 11, 27), mirando o mistério à frente, deixando-se guiar pela verdade e pelo amor a justiça. Nosso Instituto Dom Mario Zanetta e Padre Lourenço Tori viva a meta de manter viva a memória, não só através da conservação de documentos e testemunhos, mas, sobretudo no despertar de cristãos jovens e adultos para compromisso com o outro e o próximo do próximo. É pelo outro que a fé vida cristã se faz, na alegria e na prática do amor fraterno. Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos. (Jo 14, 12-13).


Referência principal do artigo: BARRETO, Edson; ARAÚJO, Majarana. A vida e a vida de Padre Lourenço. 3ª Ed. Paulo Afonso: Editora e Gráfica Fonte Viva, 2021.


Paulo Afonso, 03 de fevereiro de 2023.

Nelio Vieira de Melo

Pelo Instituto Dom Mario Zanetta e Padre Lourenço Tori.


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